Por Rafael Mallmann.
Segundo o dicionário, “profissional” é um adjetivo que se dá para quem exerce determinada atividade a tendo por profissão, isto é, se relaciona com o trabalho do indivíduo.
Michael Phelps conquistou 37 títulos sendo profissional. Mas ele amava nadar. Se desafiava para produzir mais e melhor. Tinha sede. Airton Senna levantou 3 canecos mundiais como profissional da F1, categoria top do automobilismo. Senna era conhecido por sua índole competitiva (às vezes até fora do ponto) e por seu trabalho intenso buscando ser cada vez mais rápido. Pra fechar, trago a nossa judoca Mayra Aguiar. Ela é medalha de bronze em três olimpíadas consecutivas, 2012, 2016 e 2020. Também é tricampeã mundial em 2014, 2017 e 2022, e campeã pan-americana de 2019. Com severas limitações de um esporte que todos sabemos não ter grana e nem glamour, Mayra se notabilizou por sua raça e espírito forte. Ela é profissional. É uma judoca profissional.
O que Mayra, Senna e Phelps têm em comum? Um coração batendo dentro do peito. Três esportes distintos. Três vidas diferentes. Uma mesma gana de vencer. No caso do piloto brasileiro, faço um óbvio destaque, um coração que já não bate mais, mas vocês entenderam onde eu quis chegar.
Os exemplos de profissionais são muitos, mas no Inter, tudo parece um grande escritório. Lá no Beira-Rio perder “faz parte”, sempre falta um detalhe, há um paternalismo instalado e sobretudo não se nota, isto é, não se consegue ver essa chama que os profissionais que citei acima ostentam e os nossos profissionais da bola parecem deixar em casa antes de irem treinar. No Inter não há coração. Não há tesão. Não há desafio. Estar lá é um trabalho. E todos vão trabalhar, reconheço. Se apresentam, treinam, correm, fazem “o que o professor pedir”, concentram, viajam, enfim, trabalham. No fim do mês, são remunerados por isso. Justo. Justíssimo. São profissionais, afinal.
Ocorre que este profissionalismo de escritório está fazendo com que o Clube definhe. Eu explico. Nós, os de meia idade e até uns mais veteranos, ainda acompanhamos o time com algum fervor. Muitos já largaram. As gerações mais novas não veem, no Inter e na sua falta de ambição esportiva, nenhum atrativo para ser um fiel torcedor. São, quando muito, simpatizantes. E em declínio.
Jornadas administrativas como a de ontem, que fazem crianças saírem chorando do estádio para que hoje sejam achincalhadas por outros coleguinhas na escola não fazem mais sentido no mundo atual. Estas crianças, pequenos projetos de torcedores, vão largar já, já. Aliás, não vão nem se engajar. Não vale a pena. A retribuição é muito pequena.
Esse processo de esfacelamento do clube vai cobrar um preço altíssimo. Estamos encolhendo demais num momento crucial da história do futebol brasileiro: clubes virando SAF, transmissões de direitos sendo comercializadas pelo mundo todo, streamings, futebol europeu sendo transmitido a rodo (e permitindo comparação entre os produtos), centenas de possibilidades de entretenimento (esportivo ou não) e uma geração que vai envelhecendo, se apagando. A nossa geração.
Para a geração que vem surgindo a pergunta é: afinal, pra quê serve acompanhar o Inter? Adianta ser colorado para quê mesmo? Ou é só uma tradição boba e ultrapassada?
Se o Inter, como instituição, não se der conta disso e nos próximos anos não fizer de tudo para se reconectar com seu torcedor e levantar canecos relevantes eu vou cravar aqui: em 20 anos seremos mais um Guarani de Campinas, uma Portuguesa, um Santa Cruz-PE ou um Bangu. Nossa botafoguização já é evidente. Descemos alguns degraus.
Ou resgatam o Inter ou será tarde demais. E não, isso não pode ser feito de modo “profissional”. Precisa ser por gente que tem sangue nas veias, que tenha pressa de levantar um caneco amassando os adversários dentro e fora de casa, que tenha vontade de ver o estádio cheio de gente, pagando preços baratos para estar na arquibancada de um clube que outrora foi do povo. Hoje é dos profissionais. Dos CEO’s. Dos diretores executivos e das comissões multidisciplinares.